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*Poema do livro salobre (Urutau, 2018).
para
caçar uma baleia
o
homem deve antes
descarnar
completamente o amor
deixar
em casa
o
terço e o que ainda
lhe
resta de cor nos olhos
na
imagem fria do filho
um
bom caçador de baleias
sabe
onde elas dobram
e
sobretudo
o
que elas gritam
perseguem-nas
até o fim
de
sua compaixão
apesar
de tudo
a
baleia sempre crê
no
casco cinza
não
julga o aço
acredita
em sua sombra
de
baleia perdida
até
que vem o atordoamento
é
exatamente aí
que
a baleia perde
a
sua fé
entende
que aquilo ali
não
é uma baleia
e
que aquele imenso
avatar
à sua imagem
e
semelhança
possui
um motor
no
lugar do coração
esse
é o ponto-chave
para
o acionamento dos arpões:
principal
e secundários
a
trinta metros do animal
já
não há espaço
para
fugas
ou
interpretações
ele
salta, pega ar
e
você aperta o botão
agora
a embarcação
é
contrapeso
(após
o arpão
ultrapassar
as primeiras camadas
e
abrir-se
como
um guarda-chuva
nos
interstícios da carne viva)
o
mamífero, então,
já
sem forças,
vira
uma extensão
da
própria navegação
por
isso cautela
reduzir
os nós
(manobras
bruscas podem rasgar a pele
e
condenar a mercadoria às profundezas do sal)
a
essa altura
o
navio-fábrica
já
tem de estar circulando
nos
arredores do arpoador
para
que quando
sua
enorme boca abrir,
a
vitima seja içada
por
cabos inoxidáveis,
vendo
seu fio de dignidade
escorrido
numa esteira
para
nós, caçadores,
essa
é a parte fácil
pois
nesse instante,
carniceiros
profissionais
assumem
a responsabilidade
de
enfrentar o olhar
dilacerado
da baleia
vem
o esquartejamento:
a serra
do osso
a ceifa
de toda cartilagem
e
o ultrapocessamento
seu
óleo e carne
são
reservados,
seu
sangue
escoado
direto no mar
deixando
o oceano, a cada abate,
um
pouco menos azul
e
mais escarlate
*
*Lançamento do livro: 19/10/2018, às 19:00 na Rua do Resende / Lapa.