*Por Thiago Scarlata
Crisântemos depois da ausência (Giostri, 2017), do premiado poeta Airton
Souza, é um livro, antes de tudo, sobre o tempo. Uma ciranda de vida e
morte, de perda e saudade rodeia versos de um lirismo quase épico, que através
de uma veia altamente memorial, dá vigor a uma melancolia madura, de uma beleza
única: “a impiedade dos dias/caminha para dentro/de mim”.
A impressão que se tem é que Airton não
escreve exatamente em português, mas que seu texto foi traduzido de alguma língua ainda
desconhecida. E aqui não falo meramente de estilo, mas de uma estrutura
comunicacional distinta, com sua própria mecânica e fluido, não se tratando de
enxertos de linguagem como, por exemplo, neologismos, construções herméticas, eliminações
de artigos ou inversões predicativas (nada contra quem os utiliza). Os poemas
de Airton soam como enigmas inscritos numa língua mista, isto é, estão em
português, mas há algo ali que nos instiga. Que, apesar da leitura, vai além da
leitura. O poeta parece ter alcançado, se me permitem um clichê necessário, a
verdadeira voz de sua alma: “se pudéssemos eleger telhados/sombras
retiravam as imagens mudas que os/espelhos sempre identificam/mão fosse o
assombro dos dias”.
A poesia airtoniana é altamente sinfônica.
Um adágio em consonância com o que há de mais valioso num poeta: a capacidade
de provocar reflexão, espanto ou simplesmente a extração da beleza oculta das
coisas.
“deus e sua cicatriz no olho
destro/construíram o estranhável mundo/e tudo aquilo imperceptível/na afiançada
língua/ardil de perda e busca”. Os poemas de Crisântemos depois da ausência
me remetem muito a mesma essência e ritmo presente nas preces. Aqui, um rogo feito
a um deus errante. Não precisamente um pedido ou um questionamento a este, mas a
feitura de algo com a matéria-prima (quase sempre devastadora) que Ele deixou
ao poeta que, diante da impossibilidade humana de reaver o amor cimentado pela
morte, faz de seus poemas flores acomodadas em lápides: signo perpétuo da
saudade.
Crisântemos depois da ausência é
tudo isto e mais. Ele é como uma anti-Bíblia. Uma resposta indireta ao livro
sagrado, mas não por uma via óbvia, antagônica, ateísta ou qualquer outra coisa
de fira a fé alheia. Diria até que são livros complementares. Airton aqui,
revela apenas uma outra face de Deus. Um contorno que é só dele. Cada um,
aliás, possui uma experiência distinta do divino, negando ou não a
religiosidade.
O poeta, nesta indispensável obra, tece
um inventário sensitivo e biográfico. Mostra que, o passado é indissociável do
presente. Que estar no mundo, é viver acumulando tanto ausências quanto novas
permanências. Assume, em vários momentos, a própria voz do morto, que é a
personificação do não-ser, nos deslocando para lugares em que a mera razão não
é, nem nunca será, capaz de alcançar. Airton não foge ao seu ofício mais
urgente: ser poeta.
A melhor forma de terminar um texto sobre
este poeta, que já se firma como um dos principais nomes da poesia no país, e a
obra presente, não é com um parágrafo crítico, mas com um de seus inevitáveis
poemas:
não tenho
ramagem para o amanhã
contrai espera pela boca
que
não desperta risos
também não antecipo instantes
vou
até depois das flores
a tanger o canto
[inaudível verdade sem importância]
tingido
de cova
lanço o tombo resguardado
na herança de forjados ombros
sou
só impassível!
se nos resta ainda alguma coisa
entre elas a mão & o mistério
a
lavar os joelhos difusos
a calar os murmúrios oclusos
onde estará, depois da nervura,
o naufrágio que cura
a véspera da loucura?
Airton Souza é poeta e tem
publicado 30 livros entre poemas e literatura infanto-juvenil, além de ter
participação em mais de 70 antologias literárias. Venceu diversos prêmios
literários, entre eles: Prêmio Proex de Literatura, promovido pela Universidade
Federal do Pará – UFPA, 5º Prêmio Cannon de Poesia, Prêmio LiteraCidade de
Poesia 2013, Prêmio Dalcídio Jurandir de Literatura 2013, IV Prêmio Proex de
Arte e Cultura, com o livro de poemas manhã cerzida, III Prêmio de Literatura da UFES, promovido
pela Universidade Federal do Espírito Santo, com o livro de poemas Cortejo
& outras begônias, Prêmio Nacional Machado de Assis, promovido pelo
Canal 6 Editora, 1º Lugar no Prêmio LiteraCidade Prosa 2014, 1º Lugar no Prêmio
Gente de Palavra 2017, organizado pela Editora Litteris, do Rio de Janeiro, 5º
SFX de Literatura 2017, Prêmio Carlos Drummond de Andrade 2017, promovido pelo
Sesc de Brasília, I Prêmio CAPT de Literatura 2017, obteve ainda menção honrosa
no Prêmio Letrinhas do Brasil, com o livro infantil Os dias dentro da saudade,
foi finalista no Prêmio Kazuá de Literatura 2016, com o livro um
acenos aos girassóis e só em 2017 esteve entre os vencedores de mais de
vinte prêmios literários, entre os quais: 1º Lugar no Prêmio de Poesia Cruz e
Sousa, promovido pela Editora Do Carmo, de Brasília, o Prêmio Vicente de
Carvalho, da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, com o livro crisântemos
depois da ausência, o Prêmio da Academia Ferroviária de Letras, o
Prêmio Clóvis Meire – categoria monografia e o Prêmio Vespasiano Ramos –
categoria poesia, da Academia Paraense de Letras de 2017 e o Prêmio Nacional de
Literatura da Fundação Cultural do Pará 2017, com o livro o tumulto das flores.
Atualmente é mestrando de Letras, pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do
Pará.
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Thiago
Scarlata é poeta, músico, escritor e criador/editor do Blog Literário Croqui. Teve poemas
traduzidos para o espanhol, publicados em antologias e também nas Revistas Gueto,
Escamandro,
Mallarmagens,
Monolito,
Janelas
em Rotação, Poesia Brasileira Hoje, Poesia Avulsa, MOTUS, Jornal RelevO, Literatura&Fechadura,
além de blogs literários. Foi finalista do PRÊMIO SESC DE LITERATURA
entre outros e vencedor do CONCURSO
MOTUS – MOVIMENTO LITERÁRIO DIGITAL 2017. É autor do livro de poesia “Quando
Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo” (Editora Multifoco, 2017).