Team of Fishermen pulling the fishing nets out from the sea in Kovalam - @Lorenz Berna |
*Por Marcelo Labes
Eles podem tentar nos ensinar do que se trata a poesia, mas imagino
que nunca se alcance um veredito, um final – feliz ou infeliz –
para esta pergunta. Do que se trata? Acho que os poetas nos perguntam
isso muitas vezes, quando nos apresentamos e somos apresentados
como, deve surgir a questão: sou poema , mas do que se trata isso?
Estes poemas de Thiago Scarlata não nasceram escritos, tenho
certeza. Não me detenho em questões particulares para tal
afirmação, se são concisos, se têm rimas internas, se tiveram sua
métrica contada nos dedos das mãos. Não. Os poemas de salobre vêm
de outra fonte, que não as palavras. Sorte a nossa, penso, ter
calhado a Thiago a poesia. Sorte a nossa.
Se são tempos duros, precisa a poesia ser endurecida também? Por
que não podemos manter aquele conforto antigo, interior, de falar a
partir dos poucos graus de alcance na órbita de nossos umbigos?
Estes poemas surgiram antes, muito antes das palavras: são filhos de
um olhar atento e preocupado, são fruto de uma necessidade de gritar
denúncias. São poemas destes tempos.
Das paisagens injustas dum sertão que espera a chuva que não vem,
da fome que sabe que o tempo é o antagonista, da baleia que espera
se irmanar e então percebe que se trata de uma embarcação de caça.
Não há maneira de escapar a este olhar, de se querer ignorado por
ele, simplesmente porque não adianta: os olhos do poeta têm fome e
a paisagem que eles têm é esta.
Fresh sea fish on a fishing net. On a black chalkboard. @srapulsar38 |
salobre é atravessado por medições de tempo (uma preocupação
nada recente de seu autor) e por tentativas de calcular a humanidade
de pessoas e eventos comuns. O resultado dessas operações é infiel
às leis da lógica. Este é um livro de poemas, afinal. Mas há algo
que não se perde, que perdura, que endurece à maneira das pedras de
sal. Este é um livro de poemas ou um grito contínuo.
E não porque estes sejam tempos ruins. E não porque agora a
sociedade seja injusta, as pessoas sofram em trabalhos ingratos, os
bichos nos abracem mais dignamente do que os amigos. Thiago vai
buscar no que perdura, no que havia desde antes, desde o sal até os
moluscos, para mostrar com sua poesia endurecida que não, não
estamos certos, estivemos sempre errados.
Assim me sinto ao ler sobre a fuga da seca, sobre o cheiro da boca do
peixe, sobre levar a casa para o trabalho dentro da marmita. Assim me
sinto ao ler sobre o motorista de ônibus, sobre o coveiro que se
isola do lado de fora, sobre o gari, até que no poema ensaio,
deparo-me com a imagem central desta minha leitura muito pessoal,
quando o poeta diz “dormimos pela insônia / dos outros”.
Se não sabemos responder àquela pergunta antiga sobre do que se
trata a poesia, ouso dizer que encontro a resposta acima nestes
poemas de Thiago. Que não são poemas de sal, deixemos claro, pois
demonstram resistir – e hão de resistir, meu caro, pois somos mais
fortes do que eles – às chuvas e toda intempérie mais que houver.
Ouso dizer que descubro aqui o que já devemos todos saber, mas
precisa ser enunciado: poesia é escrever pelo silêncio dos outros.
Já que me permito a paráfrase, ressalto que uma poesia para fora é
mais do que necessária, pois a realidade está aí, à espera de
nada, nem mesmo do poeta. Thiago vem, enxerga melhor do que ninguém
esta realidade, e a atravessa.
E a exalta.
Capa/foto: @WladmirVaz |
*Marcelo
Labes
é
poeta nascido em 1984 em Blumenau-SC. Autor de Falações (EdiFurb,
2008), Porque sim não é resposta (Antítese/Hemisfério Sul2015), O
filho da empregada (Antítese/Hemisfério Sul 2016), Trapaça (Oito e
Meio, 2016), Enclave (Patuá, 2018) e O poeta periférico (Independente, 2018). Participa da mostra Poesia
Agora (edição carioca). Publica no
blog http://mmlabes.blogspot.com e
mantém a revista O poema do poeta
(http://opoemadopoeta.wordpress.com),
onde publica originais manuscritos de autores vivos e mortos, do
Brasil e do exterior.