terça-feira, 27 de março de 2018

Retratos Imateriais: fogo, fotografia e desistências

Foto: Luiz Octávio Oliani @2017
*Por Thiago Scarlata

Em seu Retratos Imateriais (Singularidade, 2017), Jean Narciso Bispo Moura no traz - como o nome do livro já sugere - um verdadeiro álbum de fotografias poéticas. O que a lente do poeta capta é o que todo poeta também captura: a vida. Entretanto, nesta obra há um esforço em subverter a mera descrição do óbvio. O que nos dá uma pista disto - de início - são os intrigantes títulos de seus poemas: "pensamentos de um aeronauta", "aparelhinho"; "balão-espírito" e "o boi e o patrão" são apenas alguns deles, e, seus conteúdo fazem jus aos interessantes nomes que possuem.

Jean não tem medo de assumir a sua voz. Em "querosene" (pág. 41), escreve: "ponha mais querosene no seu lampião/as palavras em nossa distração/apagam-se/e/às vezes acendem-se com força estelar de um pirilampo/ajuste a iluminação de sua sala", poema que lembrou-me a seguinte frase de Ezra Pound: "Se houver um incêndio em minha casa, a primeira coisa que eu salvo é o fogo". A poesia de Jean é esse fogo ao qual Ezra se referia. É a coisa em si. Sem necessidade de tradução, pois não é língua, não é código nem enfeite, mas sim, algo mais próximo a uma comunicabilidade mais orgânica, o que é muito interessante. Sua chama - que é sua poesia - parece independer de seu autor. Soa como se sempre tivesse existido, mesmo antes do próprio poeta, dado seu caráter inaugural e metafísico.

Retratos Imateriais, como já mencionado, é um álbum repleto de poemas-fotografias independentes entre si. E não entendam de nenhuma forma que este livro se trata de um apanhado de textos aleatórios de gaveta. Há uma substância que circunda e une cada verso. É o produto de uma revelação gerada pelo olhar deste poeta-fotógrafo. Já dizia Roland Barthes que "um fotógrafo é reconhecido pela fotografia que bate", não importando se clique paisagens distintas. Ele sempre será reconhecido pelo o seu tato, por essa mão e angulação, pela eleição das luzes, enfim, pelo seu modo de recotar e imortalizar suas imagens do mundo. E em Jean é assim: sua voz é presente e aguda. Em seu "álbum" há uma constância, ainda que os poemas não sejam regidos por temas que - aparentemente e só assim - não se falem (e "se falarem" pela via temática em poesia, no fim das contas é algo perfeitamente dispensável, se assim o poeta quiser).

Jean Narciso Bispo Moura @2017

Há muita filosofia na poesia de Jean. Vemos neste incrível poema de nome "relógio" (pág. 15), a subversão da noção corriqueira de tempo, nos empurrando para uma reflexão mais aprofundada do que seria realmente o que se convencionou a chamar de tempo. Como já escreveu o historiador Jacques Le Goff, "o tempo nem sempre foi o mesmo", destacando que, por exemplo, na Idade Média (e mesmo na Antiguidade), o tempo era muito mais cíclico do que em linha reta, como o concebemos hoje. O que antes havia não era o imperativo do relógio, mas sim a noite e o dia, as quatro estações, enfim... vamos, então, ao poema do qual me refiro: "o tempo corre menos que o relógio/não olhe a vida pelo ponteiro da basílica/o homem quer em dúzias tudo aquilo/que o tempo dá em unidade".

Por fim, devo acrescentar que Retratos Imateriais é, sobretudo, um exercício. Um exercício de pensar, resistir, idealizar, subverter, se posicionar ante a vida, mesmo que através da entrega, das desistências que vamos exercendo. Neste jogo dialético, Jean em momento algum perde a mão de seu lirismo. Ao mesmo tempo, não privilegia o erudito ante o popular, mas justamente equilibra essas ferramentas comunicacionais de modo a levar ao leitor a melhor experiência poética possível adivinda de suas convicções, indagações e mesmo dúvidas.
Para fechar o texto, escolhi o poema "rato" (pág. 49), que muito bem representa a poética de Jean da qual falei:

o rato

o álcool dopou a minha consciência
o rato em minha casa
devorou o gato
matou o cão em vigília
ele é um ser mais virulento que uma víbora?


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Jean Narciso Bispo Moura é poeta, autor de (6) seis livros de poemas. O mais recente, Retratos Imateriais (Singularidade, 2017). É também graduado em ciências humanas, editor responsável pela Literatura e Fechadura - Revista Digital. Estreou em livro no início dos anos 200 com o título A lupa e a sensibilidade. Também é autor de 75 ossos para um esqueleto poético (2005); Excursão incógnita (2008); Memórias secas de um aqualouco e outros poemas (2011) e Psicologia do efêmero (2013).


*Thiago Scarlata (1989) é poeta, músico, escritor e criador/editor do Blog Literário Croqui. Teve poemas traduzidos para o espanhol, publicados em antologias e também nas Revistas Gueto, Enfermaria 6, Escamandro, Mallarmagens, Monolito, Incomunidade, Janelas em Rotação, Poesia Brasileira Hoje, O poema do poeta, Poesia Avulsa, Literatura&Fechadura, Vero o Poema, Carlos Zemek, MOTUS, Jornal Correio Braziliense, Jornal RelevO, além de blogs literários. Foi finalista do PRÊMIO SESC DE LITERATURA 2016 e vencedor do CONCURSO MOTUS – MOVIMENTO LITERÁRIO DIGITAL 2017. É autor do livro de poesia “Quando Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo” (Editora Multifoco, 2017).




quinta-feira, 22 de março de 2018

Arena: poesia em meia hora

*Por Thiago Scarlata





Arena (coleção megaminí / 7Letras, 2017) é um livro com menos da metade de número de páginas e tamanho de um livro convencional e, também por isso, deve ser lido com o dobro de atenção, pois trata-se de uma obra que tem muito a dizer. Desta maneira, não podemos acelerar muito, afinal, Arena é uma pista curta e de trânsito rápido, rodeada de incríveis paisagens, daquelas que nos obrigam a parar o carro para vislumbrá-las.


Assim como em alguns outros grandes poetas que já pude ter contato aqui mesmo através do Blog, a poesia de Frederico Klumb tem inegavelmente uma forte veia pictórica, nos transportando como que para dentro de uma película (neste caso, um curta-metragem) fragmentada em poemas que carregam um peso lírico, diria, polanskiano.


Frederico Klumb @2017



Podemos conferir em Arena II (pág. 07), a boa mão do poeta para as coisas do mundo:

"nos subúrbios ainda
os garotos tatuam sua carne
com pedras

duram todo o tempo
de beber este leite
correr a manhã

com seus couros
raspados á máquina
circulando em bicicletas
as arenas de terra

seus gladius
de fumaça e plástico
fumo e bolsas nos olhos

leite negro da madrugada
nós te bebemos de noite
te bebemos de manhã
e ao meio-dia
te bebemos ao anoitecer"


Um dos méritos de Klumb neste livro é conseguir dizer tudo o que disse em tão poucas páginas. Creio que esse "poder de concisão" muito bem exercido em Arena seja algo até mesmo mais complicado do que uma estruturação de um livro quantitativamente maior que, naturalmente, pode oferecer mais margens para erros e acertos. E aqui nada aponta para uma "aforização" da poesia. São poemas convencionais tanto na forma quanto em cadência.  Klumb não adaptou ou deformou absolutamente nada aqui em pról de um "encaixe" num molde pequeno.


Arena (coleção megaminí/7Letras,2017)
Os poemas de Arena parecem já terem sido um só, e, ao mesmo tempo, não se prendem numa arcada temática única, mas um DNA em comum está ali presente. Na minha interpretação isso advém do fato de que Klumb já encontrou sua voz. E "voz" aqui não significa meramente "estilo". Destaco as palavras do consagrado escritor norte-americano Philip Roth: "Não pretendo ter estilo. Eu quero ter voz: algo que começa mais ou menos na parte de trás dos joelhos e chega até bem acima da cabeça". Com isso, Roth quer dizer que a voz é o veículo por meio do qual o escritor/poeta se expressa como entidade viva, e o próprio Roth é totalmente voz. Estilo, no sentido formal ou floreando, o entedia; ele tem, assim escreveu, uma "resistência a metáforas lamurientas e analogias sob a forma de poesia".


Para o poeta, escritor e crítico norte-americano Alfred Alvarez, "Quando alguém lê um poema, geralmente fala sobre o que o dono dessa voz está sentindo; mas o principal aqui não é nem o meio nem a mensagem. O principal é que essa voz é diferente de qualquer outra que já se tenha escutado, e ela está falando diretamente com quem lê, comungando sua privacidade, bem no seu ouvido, e ao seu jeito peculiar". Arena tem voz. mais do que isso. Arena tem ouvido, antes que qualquer coisa. Seu poeta não foge da ecatombe, mergulha nela e nos traz, através, aí sim de sua boca, o que viu em seu pequeno inferno. E todo mundo enxerga um inferno único. Mas nem todos tem peito para processá-lo.


Melhor do que minhas palavras, o que pode sintetizar a poética de Klumb é obviamente sua poesia in-loco. Destaco a sequência final do livro para assumir essa responsabilidade:

V. período
mas ainda você
- alheia
ás lacerações
da carne
às horas -

                                    me disse
nós somos nossos próprios cupins

enquanto a br
corre
comigo dentro

e veloz
como as decisões
nos intervalos
                           gasosos

dos nós
das fotografias
e do shampoo
com que lava teus cabelos

é preciso tapear
todo o peso

impedir que seja
tão grande
como os elefantes
e a matéria escura
e acordar segurando
os pequenos instantes
antes das explosões
das fumaças tomarem os olhos

VI. acerto
sob esta falha
lixamos as bordas
aderentes da pele,
agora cicatrizes.




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Frederico Klumb é um poeta, roteirista e artista visual brasileiro, nascido no Rio de Janeiro, em 1990. Cursou Cinema na PUC-RJ e publicou poemas em revistas especializadas, nacionais e estrangeiras, a exemplo de Modo de Usar & Co, Escamandro, Garupa e a americana Dusie. Integra a Oficina Experimental de Poesia, coletivo artístico-cultural hoje organizado com o apoio físico e financeiro do Centro Cultural Municipal João Nogueira, no Méier. É também responsável pela curadoria da seção Drive in da revista Garupa. Em 2016, publicou o volume Almanaque Rebolado (Azougue / Cozinha experimental / Edições Garupa), um guia artístico-pedagógico para criação poética, escrito a vinte mãos e fruto de residência no Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica (CMAHO). Em 2017 publicou Arena (coleção megamini / 7letras) e seu curta-metragem Agharta foi exibido em diversos festivais nacionais e internacionais de cinema. No segundo semestre, juntamente a Oficina Experimental de Poesia, coordenou residência artística no Polo Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Participou de algumas antologias, a exemplo de Golpe: manifesto (Nosotros editorial) e Cadernos do CEP. Fez parte, também, da exposição Rejuvenesça – Poesia expandida hoje, no Centro Municipal de Artes Helio Oiticica. Em 2018 publicou cinema circular (transferidaça) e mais um livro de poemas está confirmado: máquinas mancas da manhã (no prelo pela Edições Garupa).



*Thiago Scarlata (1989) é poeta, músico, escritor e criador/editor do Blog Literário Croqui. Teve poemas traduzidos para o espanhol, publicados em antologias e também nas Revistas Gueto, Escamandro, Mallarmagens, Monolito, Incomunidade, Janelas em Rotação, Poesia Brasileira Hoje, O poema do poeta, Poesia Avulsa, Literatura&Fechadura, Vero o Poema, Carlos Zemek, MOTUS, Jornal Correio Braziliense, Jornal RelevO, além de blogs literários. Foi finalista do PRÊMIO SESC DE LITERATURA 2016 e vencedor do CONCURSO MOTUS – MOVIMENTO LITERÁRIO DIGITAL 2017. É autor do livro de poesia “Quando Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo” (Editora Multifoco, 2017).

E-mail: scarlatatts@gmail.com  / croquiliteratura@gmail.com

sexta-feira, 9 de março de 2018

Entrevista com Maurício de Almeida - A Instrução da Noite

Maurício de Almeida - Foto: Sylvana Lobo.
* Por Thiago Scarlata


"Sempre digo que escrever é reescrever."


Maurício de Almeida. Campinas, 1982. Formado em antropologia, é autor de Beijando Dentes (Record, 2008), vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2007 na categoria contos, e do romance A Instrução da Noite (Rocco, 2016), vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2017 na categoria melhor livro do ano estreante até de 40 anos. Participou das coletâneas Como se não houvesse Amanhã (Record, 2010) e O Livro Branco (Record, 2012) e colabora em sites e revistas com resenhas e artigos sobre literatura, teatro e música. Tem contos publicados em diversas revistas e jornais, além de traduções para o espanhol na Machado de Assis Magazine e para o inglês no Contemporary Brazilian Short Stories. 



CROQUI - O núcleo do seu romance é a família e o que ela tem de imperfeito. Como se dá essa relação em sua obra desde "Beijando Dentes" (seu primeiro livro)?

MAURÍCIO DE ALMEIDA - Penso que não elegemos nossos grandes temas, são eles quem nos elegem. Desde o contos de "Beijando Dentes", o núcleo familiar despontou como tema fundamental aos meus textos. Uma vez que "Beijando Dentes" se debruça temática e formalmente na questão da incomunicabilidade - isto é, no atrito/ruído inerente a toda comunicação - o núcleo familiar s apresentou como um ambiente interessante para se explorar essa questão. Afinal, pressuposta harmoniosa, a família não está imune às dificuldades e limites inerentes à comunicação. Ao contrário, é um ambiente fértil ao conflito. Nesse sentido, desde "Beijando Dentes" até "A Instrução da Noite", o ambiente e as relações familiares se mostram interessantes à exploração da dificuldade de relacionamento entre as pessoas. Se tratei a incomunicabilidade em "Beijando Dentes", o romance "A Instrução da Noite" aprofundou essa pesquisa, levando ao limite a questão do conflito, colocando personagens frente a situações insolúveis.
     Dessa foma, acredito que "A Instrução da Noite" ultrapassa a questão da incomunicabilidade para trabalhar a impossibilidade aquela com "i" maiúsculo. Por essa razão, aliás, "A Instrução da Noite" é narrado por um personagem vencido pela vida, sem qualquer perspectiva de saída, um personagem atormentado pelos desencontros desse núcleo familiar e que. mesmo assim, busca conforto nesse ambiente e nessas pessoas. Essa busca é invariavelmente frustrada, acentuando o sentimento de desterro e abondono. Um dos principais ensinamentos que a noite oferece ao personagem é a descoberta da solidão - e, tal qual toda grande descoberta, o desvendamento é tão cruel quanto irreversível.


A Instrução da Noite (Rocco, 2017)
CROQUI - Você considera que seu estilo literário flerta com o que alguns chamam de "prosa poética"?

MAURÍCIO DE ALMEIDA - Considero estar mais próximo de uma espécie de prosa que faz referência ao expressionismo do que uma "prosa poética". É verdade que meu estilo flerta com a poesia, sem dúvida há um forte aspecto lírico (por assim dizer), mas a intenção desse estilo é ultrapassar a mera representção para explorar, por meio da linguagem, as sensações, aquilo que subjaz as ações dos personagens.
Não é difícil notar que meus enredos são pequenos, sem grandes reviravoltas ou acontecimentos, os personagens realizam poucas ações. Essa característica se deve justamente à intenção de explorar as causas e consequências dessas ações naquilo que é íntimo ao personagem ou à própria ação. Um mesmo evento, como um copo caindo da mesa ou um cigarro sendo aceso, pode ser lido de formas e intensidades muito diferentes - e são essas nuances e profundidades que pretendo explorar com esse estilo.


Beijando Dentes (Record, 2008)


CROQUI - Como se dá seu processo de escrita?

MAURÍCIO DE ALMEIDA - Meu processo de escrita é baseado nas anotações que  faço. Essas anotações decorrem de observações, leituras, músicas (inclusive traduções equivocadas de músicas internacionais), enfim, decorrem de coisas que vivo ou observo. Dessas notas surgem as primeiras ideias para uma história. Não sei como essa conexão se estabelece, mas algumas notas apresentam potencial de desdobramento, talvez por colocarem questões ou serem indícios de algo mais mais profundo do que aquilo que as suscitou ( se não me engano foi Cortázar que elaborou essas possibilidades). A gênese de "A Instrução da Noite", por exemplo, foi a imagem de uma porta fechada, que colocou a questão: e se não conseguíssemos abrir uma porta fechada? Que tipo de incapacidade seria isso? Exploro esses temas no livro e, afinal, a porta fechada e a incapacidade de abri-la é uma das situações mais importantes da obra.
     A elaboração da história/enredo é todo pautado na exploração da ideia inicial e tenta responder a algumas questões como "Que história quero contar? Qual a melhor forma de contar essa história?" A partir das respostas, elaboro a estrutura do texto (seja um conto ou um romance). Tento ser o mais preciso possível nessa estrutura, prevendo as unidade de ação, o trajeto (factual ou psicológico) dos personagens e assim por diante.
     Uma vez elaborada a estrutura, inicio o processo de escrita. É importante dizer que a estrutura serve de norte, não se trata de algo rígido e inalterável. Na medida em que a escrita coloca novas questões ou explicita problemas, altero a estrutura a fim de ter um texto coeso.
     Sempre digo que escrever é reescrever, por isso, terminada a primeira versão do texto/livro, tento me afastar por um tempo do material, a fim de criar um distanciamento do que escrevi. Depois de algum tempo, volto ao texto para reescrevê-lo. Essa etapa de reescritura varia, mas quase sempre reescrevo algumas tantas vezes antes de dar o trabalho por terminado (E, ao menos pra mim, um trabalho literário nunca está terminado).


CROQUI - Quais são suas influências literárias mais importantes e o que está lendo atualmente?

os meus sentimento (Tinta-daChina, 2012)
MAURÍCIO DE ALMEIDA - Algumas das minhas primeiras influências continuam sendo minhas influências mais importantes. Clarice Lispector e Lúcio Cardoso, por exemplo, foram leituras importantíssimas que fiz no início de minha carreira e que até hoje me servem de ponto de partida. A leitura de "A Paixão Segundo G.H" e "Crônica da Casa Assassinada" me perturbavam profundamente e, acima de tudo, me indicaram um caminho de como escrever da forma que eu gostaria de escrever. Raduan Nassar e seu "Lavoura Arcaica", assim como "Avalovara" de Osman Lins também são fortes influências, sobretudo no que diz respeito à questão formal e estilística.
     Atualmente tenho dedicado grande parte d minha leitura a autores portugueses contemporâneos - e eles também são uma influência fundamental para mim. Impossível não citar Lobo Antunes, que desde "Os cus de Judas" me marcou estilisticamente. Além dele, cito Inês Pedrosa (fui arrebatado por "Nas tuas mãos"), Dulce Maria Cardoso (que está me arrebatando com "Os meus sentimentos") e José Luiz Peixoto (sobretudo "Em teu ventre").


CROQUI - Seus dois livros foram publicados por um selo grande. Até que ponto você considera importante ganhar um prêmio literário para a inserção de novos autores numa grande editora e qual é a relação desse caminho com a alternativa das editoras independentes?

MAURÍCIO DE ALMEIDA - O caminho às editoras de grande porte sempre foram estreitos e acho que está mais estreito ainda após a consolidação da crise que vive o país. Por isso, uma possível porta de entrada são os prêmios literários. Foi o Prêmio Sesc de Literatura que possibilitou a publicação de “Beijando Dentes” por uma editora de grande porte, por exemplo. Mas existem outros caminhos que, iguais aos prêmios literários, possuem dificuldades e desafios. 
     No entanto, acredito que a grande questão seja: quais as intenções e os objetivos do autor? Pois hoje em dia são muitas (e excelentes) editoras alternativas no mercado. Qual trajeto o autor pretende para a própria obra? O que uma editora de grande porte pode oferecer? E o que pode oferecer uma editora alternativa, de médio ou pequeno porte? 
     É interessante notar, que apesar de tudo, o número de possibilidades de publicação para os escritores aumento bastante. 
Por isso, acredito ser importante ao autor ter claro quais são os objetivos que pretende realizar com a carreira, que caminhos pretende trilhar e, a partir disso, desenvolver as próprias estratégias de ação no campo literário.


CROQUI - Ainda em relação aos prêmios literários. Você acha que o “peso” ainda influencia um jurado na hora de julgar uma obra vencedora?

MAURÍCIO DE ALMEIDA - Creio que isso que aconteça mais. As diversas e profundas mudanças pelas quais está passando o mundo editorial (incluo nesse universo os prêmios literários) estão subvertendo o peso de um grande selo na avaliação das obras. É possível encontrar nas grandes premiações dos últimos anos, livros de editoras de médio e pequeno porte e isso se deve à qualidade da obra, acima de tudo.
     Esse fato é extremamente importante para a literatura, afinal, os prêmios (e o público) devem buscar pelos autores brasileiros, sobretudo os contemporâneos, para além da capa, isto é, não se limitar à casa editorial na escolha de novas leituras e escritores. É verdade que os selos de grande porte têm maior poder de fogo (divulgação e distribuição, acesso aos meios de comunicação, etc), mas não podemos perder de vista que o valor do livro está na obra escrita – e isso independe se tal ou qual editora o publicou.


CROQUI - Está trabalhando em um novo livro? Caso sim, o que você já pode nos adiantar?

MAURÍCIO DE ALMEIDA - Estou finalizando dois projetos, um livro de contos e um romance. O livro de contos se chama “Equatoriais” e pude arrematá-lo no período que fiz uma residência literária em Paaty, iniciativa concebida e realizada pelo Prêmio Off Flip de Literatura (ao qual agradeço a toda equipe na figura de Ovídio Poli Junior e Olga Yamashiro). O tema que perpassa os contos de “Equatoriais” é viagens pelo Brasil. De modo geral, as personagens estão fora de seus lugares de origem e devem lidar com o estranhamento de estarem em locais que não conhecem e lidar com hábitos distintos. Alguns desses contos tiveram origens em viagens que fiz, por conta de minha formação como antropólogo e servidor da Fundação Nacional do Índio – Funai.
     Neste momento, estou me dedicando à conclusão do romance “Contudo, setembro”. O livro trata de uma relação familiar e, de alguma forma, dialoga com “A Instrução da Noite”, no qual as ações são intensamente internas, “Contudo, setembro” extrapola esse limite e coloca os personagens no mundo. O livro conta a história de dois irmãos com rotinas e vivências completamente distintas que têm os caminhos distorcidos e são colocados em contato após uma situação limite interromper a rotina deles. 


CROQUI - Para além dos novos livros, quais são seus projetos literários e o quem tem feito nesse sentido nos últimos anos?

MAURÍCIO DE ALMEIDA - Como todo escritor, tenho uma série de projetos literários que ainda quero concretizar. Por isso, paralelo aos projetos literários que estão em andamento, estou sempre pesquisando materiais para esses objetivos futuros. Além da literatura, também escrevo peças de teatro (junto ao meu amigo e parceiro de escrita dramatúrgica, o escritor e jornalista João Nunes) e gostaria de ver esses textos no palco. Algumas peças que escrevi com o João já tiveram leituras dramáticas (Streaming, por exemplo, que fala sobre vazamentos de fotos íntimas, teve uma leitura dramática realizada pela CPFL de Teatro, sob direção de Abílio Guedes, no Café Filosófico CPFL), mas estamos trabalhando para a montagem desses textos.
     Por fim, fiz uma rápida incursão no mundo dos roteiros e, em parceria com o diretor campineiro Cauê Nunes, escrevi o roteiro do curta-metragem “3x4”, que venceu na categoria Curtas Regionais do 4º Festival de Paulínia em 2011. Cauê Nunes também escreveu e dirigiu o curta-metragem “Ao redor da mesa”, baseado em um conto que faz parte de “Beijando Dentes” (o curta está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=TMxdQdAw4rs).


CROQUI - Você disse numa entrevista que lê muito poesia. Pensa em um dia publicar um livro de poemas?

MAURÍCIO DE ALMEIDA - Gostaria muito, mas não consigo escrever poesia. Minha única tentativa – além dos incontornáveis poemas juvenis escritos na adolescência – está registrada no Jornal Opção, de Goiânia, no qual participei do desafio “100 poemas de até 100 caracteres”. Apresentei u pequeno poema, que foi publicado ao lado de diversos escritores que admiro.


CROQUI - O que é Literatura pra você?

MAURÍCIO DE ALMEIDA - Uma forma de compreensão do mundo.







*Thiago Scarlata (1989) é poeta, músico, escritor e criador/editor do Blog Literário Croqui. Teve poemas traduzidos para o espanhol, publicados em antologias e também nas Revistas Gueto, Escamandro, Mallarmagens, Monolito, Incomunidade, Janelas em Rotação, Poesia Brasileira Hoje, O poema do poeta, Poesia Avulsa, Literatura&Fechadura, Vero o Poema, Carlos Zemek, MOTUS, Jornal Correio Braziliense, Jornal RelevO, além de blogs literários. Foi finalista do PRÊMIO SESC DE LITERATURA 2016 e vencedor do CONCURSO MOTUS – MOVIMENTO LITERÁRIO DIGITAL 2017. É autor do livro de poesia “Quando Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo” (Editora Multifoco, 2017).