Por Thiago Scarlata*
Numa ambientação visual futurista, Mecânica
Aplicada exibe a força de sua poética logo nos primeiros
versos: “Não é um espelho o mundo / nem moído / cerol colado na
meada”. Injeta-nos, no mesmo poema, a distopia, finalizando gravado em
aço, e não em outra superfície, o seu manual, que bem cabe como um tutorial da
obra: “Escreva num livro / o inventário de técnicas / para quebrar
os espelhos / agredir os espelhos violentamente / mesmo cortando os punhos”.
Falando em socos, logo após me entregar um
exemplar, o poeta envia a seguinte mensagem: “Espero que goste do “punch”
dele”, mal sabendo que eu já havia tomado os primeiros cruzados – já estava no
quarto ou quinto poema – tamanha, aliás, tinha sido a química.
Típico dos grandes escritores, Nuno mete
uma lupa, melhor dizendo, um microscópio sobre a nossa contemporaneidade,
arrancando algumas máscaras que, por estarmos tão entorpecidos pela banalidade do
sistema, cobrem-nos o rosto com um filtro de mediocridade. Mais ainda, o autor
nos empurra para uma espécie de deep-web poética, apontando
que o inferno pode esconder-se, por exemplo, na tela de um tablet ou smartphone.
O livro é dividido em cinco partes: Subversio
machinae (manual); entreato: imago mundi; Fenomenologia
dos materiais; entreato: opera mundi e mecânica
apliacada. Como foi dito, nada em Mecânica Aplicada foi
construído à toa. Nuno, sagazmente, separou essas cinco peças, cabendo a cada
leitora ou leitor, a liberdade de montá-las à sua maneira, ou deixá-las como
estão. Definitivamente, Nuno criou sua própria máquina, seu próprio timing de
poesia, restando a nós admirá-la e absorvê-la da melhor forma.
A quem possa ser enganado no meio das luzes
disparadas por cabos de fibra óptica, touch pad’s, ou sinais
de wireless, um alerta: trata-se de uma obra híbrida. Ela é tanto
digital, quanto analógica. Não nos referimos aqui, a um livro de poesia
“temático”. Há sempre um confronto. Há ali um autor talhando manualmente uma
alegoria em madeira, e não em outro material, como quem provoca um mundo de
formas cada vez mais pré-fabricadas.
Numa época em que o ultramoderno começa a
conviver crescentemente com o vintage, Mecânica Aplicada chega,
não para cumprir o papel de fio condutor ou engrenagem, de força-motriz ou
mesmo eletricidade, mas sim, do próprio óleo a dar fluidez a toda essa
parafernália que homens e mulheres criaram e se encontram (perdidos?). Uma
poesia, antes de tudo, global.
Nuno Rau é carioca, arquiteto e professor de história da arte, mestre e doutorando em história da arquitetura, e tem poemas publicados em revistas e sites como Cronópios, Germina, Sibila, Zunai, Mallarmargens, Diversos e Afins, RelevO, em diversos blogs e nas antologias ‘Desvio para o vermelho (13 poetas brasileiros contemporâneos)’, pelo CCSP | Centro Cultural São Paulo, ‘Escriptonita: pop/oesia, mitologia-remix & super-heróis de gibi’, que co-organizou, e ‘29 de Abril: o verso da violência’, ambas pela Editora Patuá e, em fase de organização, a antologia 'Poemáquina'. Autor do livro ‘Mecânica aplicada’ (2017). É um dos editores da revista eletrônica Mallarmargens.
*Thiago Scarlata é poeta, músico, escritor e criador do Blog Literário Croqui. Teve poemas publicados nas Antologias “Âmago” (Editora Regência/SP - 2011), “Prêmio Sesc de Poesia Carlos Drummond de Andrade 2016” e também nas Revistas “Gueto”, “Escamandro” “Mallarmagens” e “Poesia Brasileira Hoje”, além de blogs literários. Foi finalista do PRÊMIO SESC DE LITERATURA 2016 , vencedor do CONCURSO MOTUS – MOVIMENTO LITERÁRIO DIGITAL 2017 e finalista do III CONCURSO DE POESIA “PRÊMIO JAYME ROLDON 2011. Após esse hiato de 5 anos, retoma a escrita e agora publica seu primeiro livro de poesia, de título “Quando Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo”, pela Editora Multifoco.
Contato:
Excelente resenha!!! A vontade de adquirir e ler o livro só aumenta depois dela.
ResponderExcluirMuito obrigado, Rogério!
ExcluirEm todas as resenhas colocarei o link para a compra dos respectivos livros.
Um abraço!
Hummmmmmm, suficiente para despertar a curiosidade!
ResponderExcluirQue bom, Claudio.
ExcluirEsse é nosso objetivo. ;)