*Por Thiago Scarlata
Perguntei
ao poeta Lucas
Rolim
sobre o que seria O
mirábolo
(Moinhos,
2017).
Devolveu-me: "Eu
criei essa palavra a partir de "mirabolante". O livro gira
em torno da ideia do sonho como um canal de sabedoria: conhecimento
do todo e do eu. As revelações que o subconsciente nos guarda. O
mirábolo seria um ser ou um artefato que provê o sonho aos homens.
Contudo, não dei uma forma física ao mirábolo. Cada leitor cria
sua própria versão. Às vezes imagino um artefato sagrado, às
vezes um ancião enclausurado em uma outra dimensão tecendo a teia
dos sonhos, às vezes um instrumento que é utilizado pelo artesão
onírico, mas isso sou eu. Cada leitor tem sua versão e é isso o
que importa. Embora o livro todo possua uma ideia, os poemas são
independentes".
Como escreveu Sigmund Freud (1856 - 1939) em seu "A interpretação dos sonhos", "O sonho é uma estrada real que conduz ao inconsciênte. É um ato psíquico tão importante quanto qualquer outro; sua força propulsora é, na totalidade dos casos, um desejo que busca realizar-se". Nesse sentido, Lucas nos brinda com um livro repleto de construções oníricas. Seus acabamentos são os de um refinado artífice que elegeu cuidadosamente as peças para um mosaico poético extra-dimensional.
O poeta é arrojado. Não fica no lugar-comum, como apontou muito bem o poeta Demétrios Galvão (que assina o prefácio): "O jovem poeta não se rende ao que boa parte de sua geração faz - crônicas sem criatividade do cotidiano ou testemunhos engraçados". Vejamos em "no pátio dos sonhos II" (pág. 22), um pouco desse universo original criado por Lucas Rolim:
Como escreveu Sigmund Freud (1856 - 1939) em seu "A interpretação dos sonhos", "O sonho é uma estrada real que conduz ao inconsciênte. É um ato psíquico tão importante quanto qualquer outro; sua força propulsora é, na totalidade dos casos, um desejo que busca realizar-se". Nesse sentido, Lucas nos brinda com um livro repleto de construções oníricas. Seus acabamentos são os de um refinado artífice que elegeu cuidadosamente as peças para um mosaico poético extra-dimensional.
O poeta é arrojado. Não fica no lugar-comum, como apontou muito bem o poeta Demétrios Galvão (que assina o prefácio): "O jovem poeta não se rende ao que boa parte de sua geração faz - crônicas sem criatividade do cotidiano ou testemunhos engraçados". Vejamos em "no pátio dos sonhos II" (pág. 22), um pouco desse universo original criado por Lucas Rolim:
teu nome geométrico acende minha caixa de ruídos
-
lembro que há uma floresta com teu nome em Astrakan
meu
corpo se converte em moléculas fractais & poeira
-
mapeio teu rosto feito um talismã secreto
E
também no instigante "visão
sob a lua"
(pág. 24):
foge
à
tua casa de ar,
abandona
os sons
que
restam inabitáveis
e
te achega ao desfiladeiro,
aos
intertícios da solidão.
a
lua
no
alto de tua cabeça
cultiva
um diadema luminoso.
a
ramagem se conecta à tua raiz sagrada,
ao
teu espírito de terra.
debruçado
sobre o delírio,
teu
corpo adormece
e
cai.
os
pés estão alheios ao pavimento
e
desconhecem a dureza dos passos.
concentra-te
no sonho.
trespassa
o irreal.
esquece
o
que não for
vidência.
Neste
almanaque poético composto por Rolim, há magia e paixão. Delírio
e fábula. Temos aqui, sobretudo, a criação de um Oriente,
possuidor de uma beleza, cultura, ritmo, e lógica próprios. O
artesanato marcante do poeta, por vezes me remeteu a uma pegada
shakespeariana, com pitadas clássicas, quase épicas, ao mesmo tempo
envergado para uma interessantíssima orientalidade. Em suma, como o
próprio autor proclamou, o malabarismo fica por conta do leitor.
Destaco,
então, o poema "dois
amantes e a metamorfose II"
(pág. 29):
frente a frente no seio das dunas
os
amantes sabem que não há miragem
-
que de carne e toque é feito o momento
para
que a palavra do primeiro acenda
como
fogo vivo na orelha do segundo
é
preciso que se ergam defronte de si
mirando
a esfinge que no outro habita
&volvendo
ao que o sonho tornou real
desnudando
o enigma & virando peixe
no
mar que engole o deserto em sua
vertigem
& mudez.
Por
fim, a fluidez presente em O mirábolo se assemelha a de uma canção
árabe, com escalas e tonalidades que insistem em transgredir à
nossa (ocidental). Num "mundo que está viciado em sombras",
Lucas Rolim fez um inventivo e muito competente livro, que provoca
uma gama sensorial vasta, capaz de nos arrancar de uma "zona
neutra", tão comum em leituras opacas ou fomatos replicantes,
para uma ala fértil e inaugural.
Finalizo com "os olhares eram hostis" (pág. 55):
acompanhado de double music tape
os
olhares eram hostis
mas
nos aproximávamos das fronteiras
e
ignorávamos o nevoeiro de sua prole.
nossa
envergadura era mais ampla
e
escondia a gestação de um segredo.
por
muito tempo seguimos o camiho avesso
e
o retorno nos transformou em forasteiros
onde
antes éramos cria.
os
olhares eram hostis,
a
língua assassinou o amor dos jovens,
a
violência do tempo fendia o sonho e a vida.
como
poderia o homem salvar-se da ignorância?
em
que alto monte buscaria o socorro?
esperava-se
dureza dos corações
e
a curta medida do luto,
mas
nos aproximávamos das fronteiras
e
ignorávamos o nevoeiro de sua prole.
nossa
envergadura era mais ampla,
nossa
luta era sagaz.
____________________________________________________________________________________________
Lucas
Rolim
é poeta, tradutor e editor independente. Como poeta, publicou os
livrinhos artesanais "Os Cantos de Eleanor" (2017),
"Terrário" (2017) e "O Caderno Surrealista de Ibán"
(2018), através do seu selo editorial de publicações artesanais
independentes, Kizumba Edições, e seu livro de estreia, “O
Mirábolo”, pela Editora Moinhos, também em 2017. Enquanto
tradutor, publicou o fanzine “Mr. Mojo Risin’” com traduções
de poemas de Jim Morrison, que também foram publicadas no Jornal
RelevO e no site da Escamandro. Tem poemas publicados em jornais,
sites e revistas do Brasil e de Portugal. Participa desde 2015 do
projeto Roda de Poesia Tensão, Tesão & Criação, que promove
saraus e exposições pelo centro histórico da cidade. É membro do
Coletivo Acrobata, que publica a revista de arte contemporânea
Acrobata, já em seu sétimo número. Nasceu em Teresina, onde habita
e é habitado.
*Thiago
Scarlata
(1989) é poeta, músico, escritor e criador/editor do Blog
Literário Croqui.
Teve poemas traduzidos para o espanhol, publicados em antologias e
também nas Revistas Gueto,
Enfermaria
6,
Escamandro,
Mallarmagens,
Monolito,
Avenida
Sul,
Incomunidade,
Janelas
em Rotação,
Poesia
Brasileira Hoje,
O
poema do poeta, Poesia Avulsa,
Literatura&Fechadura,
Vero o Poema, Carlos Zemek, MOTUS, Jornal Correio Braziliense, Jornal
RelevO, além
de blogs literários. Foi finalista do PRÊMIO
SESC DE LITERATURA 2016
e vencedor do CONCURSO
MOTUS – MOVIMENTO LITERÁRIO DIGITAL 2017.
É autor do livro de poesia “Quando
Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo”
(Editora
Multifoco,
2017).
Valeu, Thiago! É uma felicidade ler suas palavras e saber que visões te atravessaram na leitura d'O Mirábolo. Bom saber também que meu livro tem encontrado seus leitores e semeado espantos. A alegria de um poeta são as pontes afetivas que brotam pelo caminho. Salve salve e sigamos!
ResponderExcluirLucas, eu que te agradeço pelo privilégio de conhecer tua belíssima obra. Forte abraço!
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