Arena (coleção megaminí
/ 7Letras, 2017) é um livro
com menos da metade de número de páginas e tamanho de um livro convencional e,
também por isso, deve ser lido com o dobro de atenção, pois trata-se de uma
obra que tem muito a dizer. Desta maneira, não podemos acelerar muito, afinal,
Arena é uma pista curta e de trânsito rápido, rodeada de incríveis paisagens,
daquelas que nos obrigam a parar o carro para vislumbrá-las.
Assim como em alguns outros grandes poetas que já pude
ter contato aqui mesmo através do Blog, a poesia de Frederico Klumb tem inegavelmente uma forte veia pictórica, nos
transportando como que para dentro de uma película (neste caso, um
curta-metragem) fragmentada em poemas que carregam um peso lírico, diria, polanskiano.
Frederico Klumb @2017 |
Podemos conferir em Arena II (pág. 07), a boa mão do poeta para as coisas
do mundo:
"nos subúrbios ainda
os garotos tatuam sua carne
com pedras
duram todo o tempo
de beber este leite
correr a manhã
com seus couros
raspados á máquina
circulando em bicicletas
as arenas de terra
seus gladius
de fumaça e plástico
fumo e bolsas nos olhos
leite negro da madrugada
nós te bebemos de noite
te bebemos de manhã
e ao meio-dia
te bebemos ao anoitecer"
Um dos méritos de Klumb neste livro é conseguir dizer
tudo o que disse em tão poucas páginas. Creio que esse "poder de
concisão" muito bem exercido em Arena
seja algo até mesmo mais complicado do que uma estruturação de um livro
quantitativamente maior que, naturalmente, pode oferecer mais margens para
erros e acertos. E aqui nada aponta para uma "aforização" da poesia.
São poemas convencionais tanto na forma quanto em cadência. Klumb não adaptou ou deformou absolutamente
nada aqui em pról de um "encaixe" num molde pequeno.
Arena (coleção megaminí/7Letras,2017) |
Os poemas de Arena
parecem já terem sido um só, e, ao mesmo tempo, não se prendem numa arcada
temática única, mas um DNA em comum está ali presente. Na minha interpretação
isso advém do fato de que Klumb já encontrou sua voz. E "voz" aqui
não significa meramente "estilo". Destaco as palavras do consagrado
escritor norte-americano Philip Roth: "Não pretendo ter
estilo. Eu quero ter voz: algo que começa mais ou menos na parte de trás dos
joelhos e chega até bem acima da cabeça". Com isso, Roth quer dizer que a
voz é o veículo por meio do qual o escritor/poeta se expressa como entidade
viva, e o próprio Roth é totalmente voz. Estilo, no sentido formal ou
floreando, o entedia; ele tem, assim escreveu, uma "resistência a
metáforas lamurientas e analogias sob a forma de poesia".
Para o poeta, escritor e crítico norte-americano Alfred
Alvarez, "Quando alguém lê um poema, geralmente fala sobre o que o
dono dessa voz está sentindo; mas o principal aqui não é nem o meio nem a
mensagem. O principal é que essa voz é diferente de qualquer outra que já se
tenha escutado, e ela está falando diretamente com quem lê, comungando sua
privacidade, bem no seu ouvido, e ao seu jeito peculiar". Arena tem voz. mais do que isso. Arena
tem ouvido, antes que qualquer coisa. Seu poeta não foge da ecatombe, mergulha
nela e nos traz, através, aí sim de sua boca, o que viu em seu pequeno inferno.
E todo mundo enxerga um inferno único. Mas nem todos tem peito para
processá-lo.
Melhor do que minhas palavras, o que pode sintetizar a
poética de Klumb é obviamente sua poesia in-loco. Destaco a sequência final do
livro para assumir essa responsabilidade:
V. período
mas ainda você
- alheia
ás lacerações
da carne
às horas -
me disse
nós somos nossos próprios cupins
enquanto a br
corre
comigo dentro
e veloz
como as decisões
nos intervalos
gasosos
dos nós
das fotografias
e do shampoo
com que lava teus cabelos
é preciso tapear
todo o peso
impedir que seja
tão grande
como os elefantes
e a matéria escura
e acordar segurando
os pequenos instantes
antes das explosões
das fumaças tomarem os olhos
VI. acerto
sob esta falha
lixamos as bordas
aderentes da pele,
agora cicatrizes.
______________________________________________________________________
Frederico
Klumb é um poeta, roteirista e artista visual brasileiro, nascido no Rio de
Janeiro, em 1990. Cursou Cinema na PUC-RJ e publicou poemas em revistas
especializadas, nacionais e estrangeiras, a exemplo de Modo de Usar & Co, Escamandro, Garupa e a americana Dusie.
Integra a Oficina Experimental de Poesia, coletivo artístico-cultural hoje
organizado com o apoio físico e financeiro do Centro Cultural Municipal João
Nogueira, no Méier. É também responsável pela curadoria da seção Drive in da revista Garupa. Em 2016, publicou o volume Almanaque Rebolado (Azougue /
Cozinha experimental / Edições Garupa), um guia artístico-pedagógico para criação
poética, escrito a vinte mãos e fruto de residência no Centro Municipal de
Artes Hélio Oiticica (CMAHO). Em 2017 publicou Arena (coleção megamini / 7letras) e seu curta-metragem Agharta foi exibido em diversos
festivais nacionais e internacionais de cinema. No segundo semestre, juntamente
a Oficina Experimental de Poesia, coordenou residência artística no Polo
Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Participou de algumas antologias, a exemplo de Golpe: manifesto (Nosotros
editorial) e Cadernos do CEP. Fez parte, também, da exposição Rejuvenesça – Poesia expandida hoje, no
Centro Municipal de Artes Helio Oiticica. Em 2018 publicou cinema circular (transferidaça)
e mais um livro de poemas está confirmado: máquinas mancas da manhã (no prelo pela Edições Garupa).
E-mail: scarlatatts@gmail.com / croquiliteratura@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário