Foto: Luiz Octávio Oliani @2017 |
Em seu Retratos Imateriais (Singularidade,
2017), Jean Narciso Bispo Moura no traz - como o nome do livro já
sugere - um verdadeiro álbum de fotografias poéticas. O que a lente do poeta
capta é o que todo poeta também captura: a vida. Entretanto, nesta obra há um
esforço em subverter a mera descrição do óbvio. O que nos dá uma pista disto -
de início - são os intrigantes títulos de seus poemas: "pensamentos de
um aeronauta", "aparelhinho"; "balão-espírito"
e "o boi e o patrão" são apenas alguns deles, e, seus conteúdo
fazem jus aos interessantes nomes que possuem.
Jean não tem medo de assumir a sua voz. Em "querosene"
(pág. 41), escreve: "ponha mais querosene no seu lampião/as palavras
em nossa distração/apagam-se/e/às vezes acendem-se com força estelar de um
pirilampo/ajuste a iluminação de sua sala", poema que lembrou-me a
seguinte frase de Ezra Pound: "Se houver um incêndio em minha
casa, a primeira coisa que eu salvo é o fogo". A poesia de Jean é esse
fogo ao qual Ezra se referia. É a coisa em si. Sem necessidade de tradução,
pois não é língua, não é código nem enfeite, mas sim, algo mais próximo a uma
comunicabilidade mais orgânica, o que é muito interessante. Sua chama - que é
sua poesia - parece independer de seu autor. Soa como se sempre tivesse
existido, mesmo antes do próprio poeta, dado seu caráter inaugural e
metafísico.
Retratos Imateriais, como já mencionado, é um álbum repleto de
poemas-fotografias independentes entre si. E não entendam de nenhuma forma que
este livro se trata de um apanhado de textos aleatórios de gaveta. Há uma
substância que circunda e une cada verso. É o produto de uma revelação gerada
pelo olhar deste poeta-fotógrafo. Já dizia Roland Barthes que "um
fotógrafo é reconhecido pela fotografia que bate", não importando se
clique paisagens distintas. Ele sempre será reconhecido pelo o seu tato, por
essa mão e angulação, pela eleição das luzes, enfim, pelo seu modo de recotar e
imortalizar suas imagens do mundo. E em Jean é assim: sua voz é presente e
aguda. Em seu "álbum" há uma constância, ainda que os poemas não
sejam regidos por temas que - aparentemente e só assim - não se falem (e
"se falarem" pela via temática em poesia, no fim das contas é algo
perfeitamente dispensável, se assim o poeta quiser).
Jean Narciso Bispo Moura @2017 |
Há muita filosofia na poesia de Jean. Vemos neste
incrível poema de nome "relógio" (pág. 15), a subversão da
noção corriqueira de tempo, nos empurrando para uma reflexão mais aprofundada
do que seria realmente o que se convencionou a chamar de tempo. Como já
escreveu o historiador Jacques Le Goff, "o tempo nem sempre foi
o mesmo", destacando que, por exemplo, na Idade Média (e mesmo na
Antiguidade), o tempo era muito mais cíclico do que em linha reta, como o
concebemos hoje. O que antes havia não era o imperativo do relógio, mas sim a
noite e o dia, as quatro estações, enfim... vamos, então, ao poema do qual me
refiro: "o tempo corre menos que o relógio/não olhe a vida pelo
ponteiro da basílica/o homem quer em dúzias tudo aquilo/que o tempo dá em
unidade".
Por fim, devo acrescentar que Retratos
Imateriais é, sobretudo, um exercício. Um exercício de pensar,
resistir, idealizar, subverter, se posicionar ante a vida, mesmo que através da
entrega, das desistências que vamos exercendo. Neste jogo dialético, Jean em
momento algum perde a mão de seu lirismo. Ao mesmo tempo, não privilegia o
erudito ante o popular, mas justamente equilibra essas ferramentas
comunicacionais de modo a levar ao leitor a melhor experiência poética possível
adivinda de suas convicções, indagações e mesmo dúvidas.
Para fechar o texto, escolhi o poema "rato" (pág. 49), que muito bem representa a poética de Jean da qual falei:
Para fechar o texto, escolhi o poema "rato" (pág. 49), que muito bem representa a poética de Jean da qual falei:
o rato
o álcool dopou a minha consciência
o rato em minha casa
devorou o gato
matou o cão em vigília
ele é um ser mais virulento que uma víbora?
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Jean Narciso Bispo Moura é poeta, autor de (6) seis livros de poemas. O mais
recente, Retratos Imateriais (Singularidade, 2017). É também
graduado em ciências humanas, editor responsável pela Literatura e Fechadura
- Revista Digital. Estreou em livro no início dos anos 200 com o título A
lupa e a sensibilidade. Também é autor de 75 ossos para um
esqueleto poético (2005); Excursão incógnita (2008); Memórias secas de um
aqualouco e outros poemas (2011) e Psicologia do efêmero (2013).
*Thiago Scarlata
(1989) é poeta, músico, escritor e criador/editor do Blog Literário Croqui. Teve poemas
traduzidos para o espanhol, publicados em antologias e também nas Revistas Gueto,
Enfermaria 6, Escamandro, Mallarmagens,
Monolito,
Incomunidade,
Janelas
em Rotação, Poesia Brasileira Hoje, O poema do poeta, Poesia Avulsa, Literatura&Fechadura,
Vero o Poema, Carlos Zemek, MOTUS, Jornal Correio Braziliense, Jornal RelevO, além
de blogs literários. Foi finalista do PRÊMIO
SESC DE LITERATURA 2016 e vencedor do CONCURSO MOTUS – MOVIMENTO LITERÁRIO DIGITAL 2017. É autor
do livro de poesia “Quando
Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo” (Editora Multifoco, 2017).
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