quinta-feira, 8 de junho de 2017

A deep web poética em Mecânica Aplicada

   
Por Thiago Scarlata*    


   Mecânica Aplicada (Patuá, 2017), de Nuno Rau, é um daqueles livros em que tudo foi cuidadosamente montado. Particularmente, trata-se do primeiro livro dessa formidável Editora Patuá que chega em minhas mãos e o qual tive o privilégio de desfrutar, e, ao que me pareceu, foi um casamento perfeito entre autor e editora. Nas palavras do próprio Nuno: “O Edu (Eduardo Lacerda – Editor) me deu total liberdade para o projeto gráfico. Tive ainda, a co-elaboração de um amigo, Pepe Donato, publicitário e músico, e seu parceiro Ítalo Freitas, artista gráfico”. Adicione neste processo, onde a construção foi desenvolvida até o último minuto antes de ir ao forno, uma das equipes de arte e editoração mais sofisticadas que dispomos no país. Notamos aí, que o resultado não poderia ser outro: Um livro onde tudo harmoniza.

Numa ambientação visual futurista, Mecânica Aplicada exibe a força de sua poética logo nos primeiros versos: “Não é um espelho o mundo / nem moído / cerol colado na meada”. Injeta-nos, no mesmo poema, a distopia, finalizando gravado em aço, e não em outra superfície, o seu manual, que bem cabe como um tutorial da obra: “Escreva num livro / o inventário de técnicas / para quebrar os espelhos / agredir os espelhos violentamente / mesmo cortando os punhos”.

Falando em socos, logo após me entregar um exemplar, o poeta envia a seguinte mensagem: “Espero que goste do “punch” dele”, mal sabendo que eu já havia tomado os primeiros cruzados – já estava no quarto ou quinto poema – tamanha, aliás, tinha sido a química.

Típico dos grandes escritores, Nuno mete uma lupa, melhor dizendo, um microscópio sobre a nossa contemporaneidade, arrancando algumas máscaras que, por estarmos tão entorpecidos pela banalidade do sistema, cobrem-nos o rosto com um filtro de mediocridade. Mais ainda, o autor nos empurra para uma espécie de deep-web poética, apontando que o inferno pode esconder-se, por exemplo, na tela de um tablet ou smartphone.

O livro é dividido em cinco partes: Subversio machinae (manual)entreato: imago mundi; Fenomenologia dos materiaisentreato: opera mundi e mecânica apliacada. Como foi dito, nada em Mecânica Aplicada foi construído à toa. Nuno, sagazmente, separou essas cinco peças, cabendo a cada leitora ou leitor, a liberdade de montá-las à sua maneira, ou deixá-las como estão. Definitivamente, Nuno criou sua própria máquina, seu próprio timing de poesia, restando a nós admirá-la e absorvê-la da melhor forma.

A quem possa ser enganado no meio das luzes disparadas por cabos de fibra óptica, touch pad’s, ou sinais de wireless, um alerta: trata-se de uma obra híbrida. Ela é tanto digital, quanto analógica. Não nos referimos aqui, a um livro de poesia “temático”. Há sempre um confronto. Há ali um autor talhando manualmente uma alegoria em madeira, e não em outro material, como quem provoca um mundo de formas cada vez mais pré-fabricadas.

Numa época em que o ultramoderno começa a conviver crescentemente com o vintageMecânica Aplicada chega, não para cumprir o papel de fio condutor ou engrenagem, de força-motriz ou mesmo eletricidade, mas sim, do próprio óleo a dar fluidez a toda essa parafernália que homens e mulheres criaram e se encontram (perdidos?). Uma poesia, antes de tudo, global.


Nuno Rau é carioca, arquiteto e professor de história da arte, mestre e doutorando em história da arquitetura, e tem poemas publicados em revistas e sites como Cronópios, Germina, Sibila, Zunai, Mallarmargens, Diversos e Afins, RelevO, em diversos blogs e nas antologias ‘Desvio para o vermelho (13 poetas brasileiros contemporâneos)’, pelo CCSP | Centro Cultural São Paulo, ‘Escriptonita: pop/oesia, mitologia-remix & super-heróis de gibi’, que co-organizou, e ‘29 de Abril: o verso da violência’, ambas pela Editora Patuá e, em fase de organização, a antologia 'Poemáquina'. Autor do livro ‘Mecânica aplicada’ (2017). É um dos editores da revista eletrônica Mallarmargens.




*Thiago Scarlata é poeta, músico, escritor e criador do Blog Literário Croqui. Teve poemas publicados nas Antologias “Âmago” (Editora Regência/SP - 2011), “Prêmio Sesc de Poesia Carlos Drummond de Andrade 2016” e também nas Revistas “Gueto”, “Escamandro” “Mallarmagens” e “Poesia Brasileira Hoje”, além de blogs literários. Foi finalista do PRÊMIO SESC DE LITERATURA 2016 , vencedor do CONCURSO MOTUS – MOVIMENTO LITERÁRIO DIGITAL 2017 e finalista do III CONCURSO DE POESIA “PRÊMIO JAYME ROLDON 2011. Após esse hiato de 5 anos, retoma a escrita e agora publica seu primeiro livro de poesia, de título “Quando Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo”, pela Editora Multifoco.

Contato:
E-mail: scarlatatts@gmail.com
Telefone: (21) 97902-0457


4 comentários:

  1. Excelente resenha!!! A vontade de adquirir e ler o livro só aumenta depois dela.

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    1. Muito obrigado, Rogério!
      Em todas as resenhas colocarei o link para a compra dos respectivos livros.
      Um abraço!

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  2. Hummmmmmm, suficiente para despertar a curiosidade!

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