segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Entre Ratos & Outras Máquinas Orgânicas: a poética sem saídas de Richard Plácido

*Por Thiago Scarlata

Após a leitura de Ratos & Outras Máquinas Orgânica, me deparei com uma comparação daquelas de jornalismo meio chulo, onde elenca-se uma figura contemporânea a uma clássica, feita seja para vender jornal, ganhar cliques a partir das manchetes,ou simplesmente falta de alusão melhor. Todavia, tanto por se tratar de um blog de literatura, que naturalmente tem poucos acessos (do mais famoso ao mais tímido), o que me livra de ser tachado de “sensacionalista” ou algo que valha, quanto pelo fato desta associação (meramente interpretativa, é verdade) se colocar inevitável ante a mim, obrigo-me de fazê-la: Richard Plácido é uma espécie de  Kafka da poesia.

Não vou prosseguir este texto gastando tempo confrontando os dois autores, mesmo porque quero me ater somente a este inquietante livro de poesia, tampouco antes perguntar ao poeta (que é meu amigo) se Kafka o influenciou, pois isso realmente não importa. “Kafkiano” é uma expressão. É a cidade, a desesperança, o espanto, a resignação, etc... Mas ninguém precisa ler Kafka para ser “kafkiano”. De qualquer modo, para além da obra geral de Kafka, separei e compartilho agora, antes de entrar no livro em questão, um breve texto do escritor tcheco muito pertinente e que pode ser tomado como uma chave importante para discorremos sobre a poética de Plácido, chamado Pequena Fábula, escrito no início do século passado:

‘“Ah”, disse o rato, “o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro”. -“Você só precisa mudar de direção”, disse o gato, e devorou-o.”

O “rato” de Richard, sendo máquina e orgânico ao mesmo tempo, é o próprio feeling. Como se o medo tivesse patas. A fome um nariz que fareja o podre, os restos indesejados. E a cidade olhos de rato, apontados pra cada beco, para o underground das coisas. Disse o autor numa entrevista: “Máquinas não tem sentimentos e o rato não tem sentimentos, mas existe uma racionalidade nele que me assusta”. Ao longo da leitura dos três capítulos do livro, “Entre Ratos”, “&” e “Outras Máquinas Orgânicas”, a figura do rato vai se aproximando da nossa. Fui, gradativamente, me identificando com este rato-homem, que através de uma poética anti-lírica, seca, stoner, cheia de punch, vai se alinhando e traçando os mesmo passos que os nossos: um caminho sem volta. Essa “bifurcação” que dá no mesmo lugar: o nada.


Richard Plácido @2017. Foto: Wilker Melo.



Em A Tal Iluminação, fica clara essa confluência entre homem, cidade e  animal, como se todos fizessem parte de algo único e inevitável. Vamos ao poema: “merda de pombo/caiu na boca do cachorro/o cachorro cagou na minha porta/não mereço tal iluminação/boca do cachorro/me mordeu na porta/o pombo se aninhou no telhado/não mereço tal iluminação/o rato roeu a asa do pombo/a pata do cachorro/e a minha boca cagada”.

Richard Plácido é daqueles poetas que dizem mais com menos (particularmente, meus prediletos). Ele, em momento algum, confunde prosa com sua poesia. É daqueles escritores que gasta mais tempo elegendo meia dúzia de palavras (certas) do que geralmente se perde escrevendo um conto, uma crônica ou um capítulo de um romance, por exemplo. É meticuloso. Me confessou que possui somente doze poemas para seu novo livro e que não tem pressa. Entre Ratos & Outras Máquinas Orgânicas segue essa linha enxuta e vigorosa, com um ritmo em que um poema puxa o outro e te leva como numa correnteza sem volta. E realmente, depois de Richard não há volta.
Ilustração: Gustavo Morais




Finalizo com um dos meus poemas prediletos do livro, de nome O Mar: “o barco sempre afunda/pode demorar/mas/afunda/afunda o barco/sempre afunda/como ontem o barco afundou/hoje pode/o barco sempre afunda/mas ontem/sempre o barco/à margem afunda/mar no mar o barco/ontem hoje o barco afundou/no fundo do barco/o mar fere o peixe-boi”.






Richard Plácido é poeta e contista. Em 2016, publicou o livro entre ratos & outras máquinas orgânicas (Imprensa Oficial Graciliano Ramos). É mestrando em Estudos Literários pelo PPGLL/UFAL, integrante do grupo de pesquisa Literatura & Utopia e do coletivo literário ELISA. Em 2015, foi aluno do Laboratório Sesc de Criação e Expressão Literária, ministrado pelo escritor Nilton Resende. Publicou nas revistas de literatura Alagunas, Mallarmargens, Gueto e Escamandro. Foi premiado em três edições do concurso de contos Arriete Vilela e na primeira edição do concurso Poesia & Utopia. Contato: richardplacido.com | placidorichard@gmail.com.



*Thiago Scarlata é poeta, músico, escritor e criador/editor do Blog Literário Croqui. Teve poemas traduzidos para o espanhol, publicados em antologias e também nas Revistas Gueto, Escamandro, Mallarmagens, Monolito, Janelas em Rotação, Poesia Brasileira Hoje, Poesia Avulsa, MOTUS, Jornal RelevO, Literatura&Fechadura, além de blogs literários. Foi finalista do PRÊMIO SESC DE LITERATURA 2016 e JAYME ROLDON 2011, e vencedor do CONCURSO MOTUS – MOVIMENTO LITERÁRIO DIGITAL 2017. É autor do livro de poesia “Quando Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo” (Editora Multifoco, 2017).

E-mail: scarlatatts@gmail.com
Telefone: (21) 96962-2336





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